Ensaio Crítico sobre o Uso de Inteligência Artificial na Produção Acadêmica: Desafios e Oportunidades

  • Dra Zilda Maria A. Matheus
  • Doutora em Ciências da Comunicação (Turismo) pela ECA/USP, Pesquisadora no Naturo Academic Research Institute.
  • E-mail: contat@naturoinstitute.org7

 

O uso da inteligência artificial (IA) na produção acadêmica tem se tornado um tema cada vez mais relevante no campo da educação e da pesquisa. Ferramentas de IA, como o GPT-3 e outras tecnologias de processamento de linguagem natural, têm sido amplamente adotadas para gerar, revisar e melhorar textos acadêmicos. No entanto, o uso dessas ferramentas traz uma série de desafios e oportunidades que exigem uma análise crítica e cuidadosa, especialmente no que se refere à originalidade dos textos e à preservação da autoria intelectual.

O Potencial da Inteligência Artificial na Produção Acadêmica
A inteligência artificial oferece inúmeras vantagens para o campo acadêmico. A capacidade de analisar grandes volumes de dados, identificar padrões e gerar conteúdo de forma eficiente pode acelerar o processo de pesquisa e escrita. Além disso, a IA pode ser usada para auxiliar os pesquisadores na revisão de textos, detectar inconsistências e até mesmo sugerir melhorias no estilo e na estrutura do trabalho. Autores como Bostrom (2014) e Zuboff (2019) discutem a maneira como a IA pode ser uma ferramenta poderosa para otimizar tarefas, liberando o pesquisador para se concentrar em aspectos mais criativos e reflexivos do trabalho.

A IA pode ajudar, por exemplo, na sistematização de informações, compilando e analisando dados de maneira rápida e precisa. Isso permite que o pesquisador dedique mais tempo à formulação de hipóteses inovadoras e à construção de argumentos. Em um estudo sobre a aplicação da IA na educação superior, Galloway (2021) sugere que a IA pode funcionar como uma extensão do pensamento crítico do pesquisador, fornecendo insights que talvez não fossem observados de outra forma.

O Desafio da Originalidade
No entanto, o uso da IA na produção acadêmica levanta questões fundamentais sobre originalidade e autoria. A capacidade da IA de gerar texto automaticamente pode levar à homogeneização do conteúdo, uma vez que muitos algoritmos dependem de bancos de dados amplamente disponíveis e fontes previamente publicadas. Isso cria o risco de que os textos gerados pela IA não tragam nenhuma contribuição original ou inovação real, mas apenas uma combinação superficial de ideias existentes. Ao aplicar ferramentas de IA para gerar conteúdo acadêmico, um dos maiores desafios é garantir que a originalidade do autor seja preservada e que o trabalho não se resuma a uma mera repetição de ideias alheias.
Em sua análise sobre os impactos da automação na produção intelectual, Turkle (2017) argumenta que, enquanto a IA pode realizar tarefas de forma mais eficiente, ela não possui a capacidade de formular ideias originais ou críticas. Para garantir a originalidade, o autor deve ser capaz de questionar, reinterpretar e combinar diferentes pontos de vista de maneira única, algo que a IA, embora eficiente, ainda não é capaz de fazer.

O Papel da Intervenção Humana na Preservação da Originalidade
A originalidade não reside apenas na capacidade de produzir ideias novas, mas também na construção de argumentos autênticos e na interpretação criativa dos dados. Isso envolve uma interação constante entre o pesquisador e as ferramentas tecnológicas, onde a IA pode ser usada como um amplificador das ideias do autor, mas não como substituto do pensamento crítico.
Um exemplo de uso inteligente da IA na produção acadêmica seria o uso de algoritmos para explorar uma grande quantidade de fontes e dados, mas a verdadeira originalidade surgiria quando o pesquisador usasse essas informações para formar novas conexões e levantar questões que não haviam sido exploradas antes. A IA, então, funcionaria como uma ferramenta que expande as possibilidades de pesquisa, mas não como uma solução para a falta de criatividade. Como destacado por Clayton Christensen (1997) em sua teoria sobre inovação disruptiva, a verdadeira inovação vem quando as ideias existentes são aplicadas de maneira nova e diferente.

O Perigo do Plágio e a Necessidade de Uma Abordagem Ética
O risco de plágio também é uma preocupação central ao utilizar IA para gerar textos acadêmicos. Se não houver um cuidado adequado, é possível que a IA simplesmente replique trechos de textos já existentes sem dar o devido crédito, o que pode resultar em problemas éticos e acadêmicos graves. A questão do plágio é complexa, pois muitas vezes a IA utiliza grandes bancos de dados para gerar conteúdo, o que pode fazer com que o texto final seja uma hibridização de diversas fontes sem a contribuição genuína do autor.
Para garantir a autoria e a originalidade, é fundamental que o pesquisador envolva-se ativamente na criação do conteúdo e utilize a IA apenas como uma ferramenta de apoio. Carvalho (2022) sugere que o uso da IA na pesquisa acadêmica deve ser encarado como uma colaboração entre o humano e a máquina, em que o papel da IA é proporcionar insights e simplificar processos, mas não substituir o trabalho intelectual que é inerente ao pesquisador.

Propostas de Modelos para Garantir a Originalidade na Produção Acadêmica
Para que a IA seja usada de forma ética e original, sugerimos alguns modelos que podem ser implementados na prática acadêmica:
1. Interação Ativa com a IA: O pesquisador deve utilizar a IA para análise de dados e organização de informações, mas deve ser responsável pela interpretação e pela formulação de novas ideias e hipóteses.
2. Monitoramento de Fontes: O uso de ferramentas de verificação de plágio e de citação correta deve ser integrado ao processo de escrita acadêmica. Ferramentas como Turnitin e Copyscape podem ser usadas para garantir que o conteúdo não seja copiado sem referência adequada.
3. Inovação e Criatividade: Em vez de usar a IA como uma fonte única de geração de texto, ela pode ser empregada para gerar esboços iniciais ou identificar lacunas no conhecimento. A originalidade, então, vem do trabalho do pesquisador ao expandir e criticar essas primeiras sugestões.

Conclusão
A inteligência artificial tem um enorme potencial para transformar a produção acadêmica, mas seu uso deve ser cuidadosamente monitorado para garantir que a originalidade, a autoria e a integridade intelectual sejam preservadas. A chave para o uso ético e criativo da IA na academia está na interação crítica entre o humano e a máquina, onde a IA é uma ferramenta que potencializa o pensamento humano, e não uma substituta para ele. À medida que essas tecnologias continuam a se desenvolver, será cada vez mais importante que os pesquisadores se engajem ativamente no processo de criação intelectual e mantenham um compromisso com a autenticidade e a ética no uso da inteligência artificial.
Referências
● BOSTROM, Nick. Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies. Oxford University Press, 2014.
● CARVALHO, José Jorge de. Ética e Inteligência Artificial: Desafios e Oportunidades na Pesquisa Acadêmica. Editora Acadêmica, 2022.
● CHRISTENSEN, Clayton M. The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail. Harvard Business Review Press, 1997.
● GALLOWAY, Stephen. Artificial Intelligence in Higher Education: Challenges and Opportunities. University Press, 2021.
● TURKLE, Sherry. Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age. Penguin Press, 2017.
● ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. PublicAffairs, 2019.