O Cinema como Ferramenta de Educação Crítica: Uma Análise do Modelo Interdisciplinar de Crítica Cinematográfica Aplicado ao Filme Bacurau

  • Dra Zilda Maria A. Matheus
  • Doutora em Ciências da Comunicação (Turismo) pela ECA/USP, Pesquisadora no Naturo Academic Research Institute.
  • E-mail: contat@naturoinstitute.org7

 

Resumo

Este artigo propõe um modelo interdisciplinar de crítica cinematográfica, fundamentado em teorias das ciências humanas e sociais, com o objetivo de analisar filmes enquanto ferramenta pedagógica para promover educação crítica. A análise do filme Bacurau (2019), dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, serve de estudo de caso para examinar como o cinema pode ser usado para refletir sobre desigualdade, resistência e colonialismo. O modelo proposto é composto por quatro etapas: análise temática, interpretação da mensagem, conexão com desafios contemporâneos e estrutura acessível. Propõe-se que este modelo, além de útil para análise cinematográfica, pode ser incorporado no ambiente educacional para desenvolver habilidades críticas e reflexivas nos alunos.
Palavras-chave: Cinema; Educação crítica; Bacurau; Resistência; Modelo interdisciplinar.

1. Introdução

O cinema é uma forma de arte que, além de entreter, pode atuar como um instrumento pedagógico poderoso ao abordar questões sociais, culturais e políticas. Filmes como Bacurau (2019) são capazes de suscitar discussões profundas sobre temas contemporâneos, como desigualdade social, resistência, colonialismo e imperialismo, refletindo problemas globais e locais. Este artigo apresenta um modelo interdisciplinar de crítica cinematográfica, adaptado ao contexto educacional, que visa promover uma análise crítica do filme Bacurau, a fim de mostrar como o cinema pode ser utilizado em sala de aula para fomentar o pensamento crítico.
O modelo de crítica proposto, baseado em uma abordagem que integra cinema, educação crítica e teorias sociais, visa também contribuir para a formação cidadã, estimulando os alunos a refletirem sobre o papel da arte e da cultura na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

2. Fundamentação Teórica
2.1. Cinema como Representação Cultural e Política
O cinema, como linguagem simbólica, exerce uma grande influência na formação de visões de mundo e na reprodução ou desconstrução de estruturas de poder. Segundo Stuart Hall (1997), as produções audiovisuais são sistemas de representação que operam de maneira a consolidar ou subverter significados sociais. Bacurau é um exemplo claro de filme que questiona as narrativas hegemônicas e provoca uma reflexão sobre o processo de apagamento de comunidades marginalizadas.
Laura Mulvey (1989), em sua teoria do “olhar” cinematográfico, ressalta que o cinema está imbuído de ideologias que influenciam as percepções culturais e sociais. O filme Bacurau não apenas apresenta uma visão de resistência cultural, mas também subverte as expectativas do espectador ao inverter o papel de vítima e opressor.

2.2. Abordagem Crítica Interdisciplinar
Inspirado nas obras de Paulo Freire (2013), Jacques Derrida (1978) e Ismail Xavier (2001), o modelo interdisciplinar de crítica cinematográfica aqui proposto visa integrar o cinema com teorias sociais e pedagógicas. Paulo Freire (2013) argumenta que a educação deve ser um processo de conscientização, onde o educando não apenas recebe conhecimento, mas se torna protagonista de sua própria aprendizagem. Derrida (1978), por sua vez, advoga pela desconstrução, como um método para analisar as narrativas e revelar camadas de significados ocultas.
A proposta do modelo de crítica cinematográfica é usar essas ferramentas para analisar filmes de forma reflexiva, interligando teoria e prática pedagógica de maneira que promova a formação crítica do espectador.

2.3. Conexão com a Educação Crítica
Rancière (2012) argumenta que a educação deve ser emancipada, ou seja, não deve se basear na ideia de um professor detentor do saber, mas sim em um processo de aprendizado horizontal. O modelo de crítica cinematográfica proposto pode ser entendido como uma forma de romper com as hierarquias tradicionais da educação, permitindo que o aluno seja ativo na construção de seu conhecimento. O uso do cinema como uma ferramenta pedagógica, neste contexto, não é apenas uma forma de ensinar conteúdo, mas uma maneira de promover um questionamento ativo sobre as estruturas sociais que moldam nossas vidas.
3. Modelo Interdisciplinar de Crítica Cinematográfica

O modelo proposto é composto por quatro etapas que permitem uma análise detalhada e pedagógica de filmes:
1. Análise Temática: Identificação e exploração dos temas centrais do filme, considerando seus aspectos estéticos, narrativos e culturais. O filme Bacurau, por exemplo, aborda temas como a resistência contra a violência, o colonialismo e a marginalização social.
2. Interpretação da Mensagem: Reflexão sobre o significado da narrativa e seus efeitos sociais e culturais. A mensagem de Bacurau é uma clara afirmação de que a resistência coletiva é uma resposta viável à opressão e violência estrutural.
3. Conexão com Desafios Contemporâneos: Conectar os temas do filme com questões globais, como desigualdade social, racismo, colonialismo e imperialismo. O filme é um reflexo da luta contra as estruturas de poder que marginalizam as populações periféricas, seja no Brasil ou globalmente.
4. Estrutura Acessível: O modelo visa ser de fácil aplicação em diferentes contextos educacionais, promovendo a acessibilidade e o entendimento crítico do conteúdo do filme, seja em sala de aula ou em ambientes informais de aprendizagem.
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4. Análise Crítica de Bacurau
4.1. Análise Temática
Bacurau aborda temas fundamentais para a compreensão dos desafios contemporâneos, como a luta contra o colonialismo, a violência policial, a resistência de povos marginalizados e as relações de poder. A trama se passa em uma pequena comunidade do sertão nordestino, que se vê ameaçada por forças externas que tentam impor uma lógica de exploração e domínio. O filme é uma metáfora da resistência popular contra a opressão.

4.2. Interpretação da Mensagem
A mensagem central de Bacurau é de resistência coletiva. Ao contrário das narrativas tradicionais em que o povo é retratado como vítima passiva, o filme coloca os habitantes de Bacurau como agentes ativos em sua própria luta. O filme sugere que a união e a força coletiva são os caminhos para enfrentar o poder, seja ele político, econômico ou militar.
Além disso, a obra critica as relações de exploração capitalista e imperialista, simbolizadas pelos “forasteiros” que vêm à cidade para caçar seus habitantes como forma de entretenimento.

4.3. Relevância Contemporânea
Bacurau aborda questões extremamente relevantes para a contemporaneidade, como o desmantelamento das políticas públicas em áreas periféricas, o desrespeito aos direitos humanos e o impacto do imperialismo no Brasil e no mundo. Esses temas são universais e, portanto, podem ser contextualizados em diversas partes do mundo, tornando o filme uma excelente ferramenta para discussões sobre política, economia e cultura.
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5. Propostas Educacionais
5.1. Cinema como Ferramenta Pedagógica
A proposta de utilizar Bacurau como ferramenta pedagógica em sala de aula se baseia em sua capacidade de provocar discussões profundas sobre cidadania, resistência e colonialismo. Algumas atividades recomendadas incluem:
● Discussão em grupo sobre os temas abordados no filme.
● Análise comparativa com outros filmes que tratam de temas semelhantes, como O Som ao Redor (2012) e Cidade de Deus (2002).
● Elaboração de projetos de pesquisa sobre os efeitos do colonialismo e da resistência em diferentes contextos históricos.

5.2. Desenvolvendo Pensamento Crítico
Ao aplicar o modelo de crítica cinematográfica, os alunos são incentivados a questionar as narrativas dominantes e a refletir sobre as estruturas de poder que moldam a sociedade. O cinema, como ferramenta educativa, facilita a análise crítica de questões sociais complexas de uma maneira acessível e envolvente.

5.3. Níveis Educacionais
O modelo de análise cinematográfica proposto é flexível e pode ser adaptado a diferentes níveis educacionais:
● Ensino Médio: Introdução a temas como desigualdade, resistência e história do Brasil.
● Ensino Superior: Análise aprofundada das questões sociais e políticas, utilizando teorias críticas do cinema e da educação.
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6. Considerações Finais

Este artigo mostrou como o cinema, particularmente Bacurau, pode ser uma ferramenta eficaz para promover a educação crítica. A análise do filme, a partir do modelo interdisciplinar proposto, oferece uma oportunidade única para explorar questões sociais, culturais e políticas em um ambiente educativo. Além disso, ao incorporar o cinema nas práticas pedagógicas, é possível estimular o pensamento crítico e a participação cidadã, elementos essenciais para a formação de uma sociedade mais justa e democrática.

7. Referências Bibliográficas
● BAZIN, André. O que é cinema?. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
● FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
● HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.
● MULVEY, Laura. Visual and other pleasures. London: Palgrave Macmillan, 1989.
● RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a inteligência do ignorante. São Paulo: Editora 34, 2012.