Tarô e Saúde Mental: Um Ensaio Exploratório.

Tarô e Saúde Mental: Um Ensaio Exploratório.

Por :  Dra Zilda Maria A. Matheus

O tarô, historicamente associado a práticas de adivinhação e esoterismo, vem sendo reinterpretado em contextos contemporâneos como recurso simbólico e narrativo capaz de favorecer processos de autoconhecimento e apoio psicológico. Embora ainda carente de pesquisas clínicas sistemáticas, sua ressignificação no Brasil e em outros países tem se consolidado em diálogos com a psicologia analítica, as práticas integrativas e o campo da saúde mental, principalmente em tempos de crise e incerteza.

Um estudo qualitativo conduzido na Malásia com jovens entre 19 e 25 anos demonstrou que o tarô pode funcionar como ferramenta de reflexão emocional, auxiliando na compreensão de sentimentos e na elaboração de narrativas pessoais. A pesquisa, realizada por meio de grupos focais com 40 participantes, destacou que as cartas atuaram como dispositivo de autoconhecimento, favorecendo a identificação de gatilhos internos e a reorganização de experiências emocionais complexas (FOO; YEOH, 2020). Esse resultado aproxima-se de achados em contextos clínicos ocidentais, onde terapeutas relatam o uso do tarô como disparador simbólico capaz de ampliar o diálogo interior (MANYMOONS THERAPY, 2022).

No Brasil, o tema também começa a ser investigado academicamente. Cavalcanti (2022), em tese defendida na Universidade Federal da Paraíba, analisou o tarô como prática integrativa em diálogo com a extrassensorialidade. A autora argumenta que, embora o tarô ainda não seja reconhecido oficialmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no rol das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), pode ser compreendido como recurso simbólico legítimo no cuidado subjetivo, uma vez que favorece espaços de escuta, introspecção e produção de sentidos. Nesse sentido, o tarô aproxima-se de outras práticas já institucionalizadas no SUS, como meditação e arteterapia, nas quais a dimensão simbólica exerce papel central na promoção de saúde.

Outro campo importante de estudo é o contexto da pandemia de COVID-19, que intensificou a busca por práticas espirituais e simbólicas em ambiente virtual. Oliveira (2022; 2024), em trabalhos acadêmicos na Universidade Federal de Sergipe, analisou como o tarô foi ressignificado durante o isolamento social, migrando para plataformas digitais e fortalecendo sua função de suporte espiritual e emocional para brasileiros em tempos de crise. A ampliação de consultas online e o fortalecimento de comunidades virtuais de tarólogos mostram como práticas culturais, antes circunscritas a círculos restritos, ganharam novo alcance e impacto no cenário de vulnerabilidade coletiva.
Do ponto de vista psicológico, a lógica simbólica do tarô dialoga com a psicologia analítica de Carl Gustav Jung. Jung via nos símbolos e arquétipos instrumentos de mediação entre o consciente e o inconsciente coletivo, capazes de acessar conteúdos reprimidos ou latentes. As cartas do tarô, compostas por imagens arquetípicas universais — como a Morte, o Louco ou a Estrela —, funcionam como espelhos simbólicos que favorecem a projeção e a interpretação subjetiva (OLIVEIRA, 2022). Esse processo aproxima o tarô de técnicas projetivas utilizadas em psicologia, como o Rorschach ou o TAT, com a diferença de operar a partir de uma matriz cultural mais ampla e acessível.

Contudo, é imprescindível destacar os aspectos éticos relacionados ao uso do tarô em contextos terapêuticos e de saúde. Em primeiro lugar, deve-se evitar qualquer prática que apresente o tarô como substituto de psicoterapia ou tratamento médico convencional. A leitura simbólica deve ser compreendida como recurso complementar, com função de apoio e reflexão, não como diagnóstico ou cura. Além disso, é necessário que os profissionais estabeleçam limites claros de atuação, comunicando de forma transparente os objetivos da prática. Isso preserva tanto a integridade do paciente quanto a credibilidade do profissional que utiliza o tarô como recurso simbólico.

Do ponto de vista da aplicabilidade para profissionais de saúde, o tarô pode se mostrar útil em diferentes áreas. Psicólogos podem utilizá-lo como ferramenta projetiva em contextos de autoconhecimento, sempre com respaldo ético e metodológico. Terapeutas ocupacionais e integrativos podem empregá-lo em práticas narrativas para estimular expressão simbólica em grupos e indivíduos. Educadores em saúde podem recorrer ao tarô como recurso para facilitar rodas de conversa sobre temas subjetivos e coletivos, aproveitando seu potencial como mediador cultural e simbólico.

Assim, o tarô deve ser entendido como prática complementar, situada no campo do cuidado subjetivo e cultural. Seu potencial reside na dimensão simbólica e narrativa: mais do que prever futuros, as cartas provocam reflexões, organizam significados e favorecem o autoconhecimento. Ao ser ressignificado em contextos acadêmicos, terapêuticos e culturais, o tarô revela-se como um campo fértil de investigação interdisciplinar, que articula psicologia, saúde, espiritualidade e cultura.

Referências
CAVALCANTI, Fernanda Pinheiro. O tarô como prática integrativa e a extrassensorialidade no jogo: analisando discursos de tarólogos e consulentes. 2022. Tese (Doutorado em Ciências das Religiões) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/24166/1/FernandaPinheiroCavalcanti_Tese.pdf.
FOO, J.; YEOH, C. Tarot card reading and self-reflection among Malaysian youth: A qualitative study. Kuala Lumpur: Universiti Malaya, 2020.
MANYMOONS THERAPY. Mental health benefits of tarot in psychotherapy. 2022. Disponível em: https://www.manymoonstherapy.com/blog. Acesso em: 27 ago. 2025.
OLIVEIRA, R. A. As cartas revelam o caminho: prática do tarô no Brasil e novos desdobramentos durante a pandemia de COVID-19 (2020-2023). 2024. Dissertação (Mestrado em História Cultural) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2024. Disponível em: https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/20516.
OLIVEIRA, R. A. O tarô durante a pandemia de coronavírus: as cartas como orientação espiritual para os brasileiros em tempos de COVID-19. Anais do XVIII Simpósio Nacional da ABHR. João Pessoa: ABHR, 2022. Disponível em: https://revistaplura.emnuvens.com.br/anais/article/view/2332/1762.
VERYWELL MIND. Holistic practices and mental health. 2023. Disponível em: https://www.verywellmind.com/holistic-practices-can-be-helpful-for-mental-health-7373142. Acesso em: 27 ago. 2025.

 

 

  • Dra Zilda Maria A. Matheus
  • Doutora em Ciências da Comunicação (Turismo) pela ECA/USP, Pesquisadora no Naturo Academic Research Institute.
  • E-mail: contat@naturoinstitute.org7