Shutdown nos Estados Unidos: impactos na ciência, sociedade e governança institucional

Resumo
O presente estudo analisa o shutdown federal nos Estados Unidos em 2025, avaliando impactos na produção científica, na sociedade e na governança institucional. Com base em literatura recente e dados de ciência aberta, discute-se como a interrupção de atividades governamentais afeta laboratórios, pesquisadores, infraestrutura de dados e confiança pública. Estratégias de resiliência, como ciência aberta, fundos de contingência e repositórios descentralizados, são apresentadas como medidas de mitigação.
Palavras-chave: shutdown; ciência aberta; financiamento público; infraestrutura de dados; política científica; sustentabilidade democrática.
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1. Introdução
Nos Estados Unidos, o shutdown federal ocorre quando o Congresso não aprova as dotações orçamentárias dentro do prazo legal, resultando na suspensão parcial de atividades não essenciais. Em 2025, a polarização política agravou a vulnerabilidade das agências científicas, universidades e laboratórios dependentes de financiamento federal (CRFB, 2025; Science, 2025).
Mais do que um problema fiscal, o shutdown representa uma crise epistemológica, interrompendo atividades científicas estratégicas, ameaçando a preservação de dados e comprometendo a confiança pública. Este estudo objetiva analisar os impactos do shutdown na ciência e sociedade, discutir estratégias de resiliência e refletir sobre sustentabilidade democrática.
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2. Contextualização institucional
2.1 Fundamento legal
O shutdown baseia-se na Antideficiency Act, que impede gastos não autorizados pelo Congresso portanto os funcionários entram em furlough. O termo “furlough” é usado principalmente em contextos trabalhistas nos Estados Unidos e significa licença temporária sem remuneração. e operações essenciais continuam em nível mínimo (CRFB, 2025).
2.2 Impactos orçamentários e tendências recentes
Em 2025, cortes de até 22% afetaram o financiamento federal à pesquisa, atingindo o National Institutes of Health (NIH), a National Science Foundation (NSF) e órgãos ambientais (AAU, 2025). Laboratórios universitários perderam bolsas e contratos, comprometendo experimentos de longo prazo. Internacionalmente, países como Alemanha e Canadá blindam o financiamento científico, garantindo continuidade mesmo em crises políticas (OECD, 2023).
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3. Impactos sobre a ciência
3.1 Financiamento e operações
Agências como a National Aeronautics and Space Administration (NASA), a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) e a Environmental Protection Agency (EPA) enfrentaram atrasos em monitoramento e pesquisa aplicada. Bolsas NIH interrompidas afetaram pós-doutorandos e técnicos, reduzindo produtividade em até 50% (Tham, 2023). Experimentos de longo prazo e séries históricas de dados críticos sofreram interrupções.
3.2 Capital humano e fuga de talentos
A instabilidade orçamentária provoca “vazamento de talentos”: pesquisadores buscam oportunidades em países com maior estabilidade, comprometendo diversidade e inovação (Tham et al., 2024).
3.3 Infraestrutura de dados
Repositórios centralizados podem falhar durante shutdowns. Modelos descentralizados, como OSF e Harvard Dataverse, aumentam resiliência e preservam acesso aberto a dados críticos (Sharma et al., 2025).
3.4 Sociologia da ciência
Segundo Merton (1973), Latour (1987) e Nowotny et al. (2001), ciência depende de estruturas institucionais estáveis. Interrupções prolongadas comprometem normas de divulgação, colaboração e confiança científica, representando risco epistemológico.
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4. Impactos sociais e desinformação
Programas sociais como SNAP e WIC sofreram paralisação parcial, afetando populações vulneráveis (Jenkins, 2023). FDA e EPA reduziram inspeções e monitoramento ambiental, atrasando relatórios. Suspensão de bases federais prejudica acesso público e jornalismo científico, criando lacunas de informação (COS, 2025). O vácuo informacional favorece desinformação sobre saúde e clima, tornando ciência aberta e comunicação transparente essenciais.
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5. Estratégias de resiliência científica
• Infraestruturas descentralizadas: OSF, Harvard Dataverse, PubMed Central.
• Fundos de contingência e cláusulas automáticas: assegurar continuidade de projetos estratégicos.
• Mandatos de acesso aberto: pré-registro e depósito de dados em repositórios públicos.
• Cultura institucional e comunicação científica: BITSS e iniciativas internacionais fortalecem transparência e confiança pública.
• Sustentabilidade democrática: proteger ciência pública é proteger democracia e equidade socioecológica.
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6. Considerações finais
O shutdown de 2025 evidencia fragilidades institucionais e ameaça produção científica, preservação de dados e confiança pública. Estratégias de ciência aberta, fundos de contingência e políticas de comunicação transparente são essenciais para mitigar impactos e fortalecer sustentabilidade democrática e socioecológica. A experiência americana demonstra a importância de planejamento institucional e mecanismos que garantam continuidade do conhecimento, mesmo diante de crises políticas e orçamentárias.
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Referências (ABNT)
AAU – American Association of Universities. Federal Research Cuts Threaten U.S. Innovation and Leadership. Washington: AAU, 2025. Disponível em: https://www.aau.edu/key-issues/federal-research-cuts-threaten-us-innovation-and-leadership. Acesso em: 4 out. 2025.
BITSS – Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences. Disponível em: https://www.bitss.org. Acesso em: 4 out. 2025.
COS – Center for Open Science. COS Statement on U.S. Executive Orders and the Future of Open Scholarship. 2025. Disponível em: https://www.cos.io/about/news/cos-statement-on-the-future-of-open-scholarship. Acesso em: 4 out. 2025.
CRFB – Committee for a Responsible Federal Budget. Q&A: Everything You Should Know About Government Shutdowns. Washington: CRFB, 2025.
JENKINS, M. Social Vulnerability and Food Security in the U.S. During Government Shutdowns. Open Socioeconomic Journal, v. 9, n. 3, p. 45–58, 2023.
LATOUR, B. Science in Action: How to Follow Scientists and Engineers Through Society. Cambridge: Harvard University Press, 1987.
MERTON, R. K. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973.
NOWOTNY, H.; SCOTT, P.; GIBSON, J. Re-Thinking Science: Knowledge and the Public in an Age of Uncertainty. Cambridge: Polity Press, 2001.
SHARMA, A.; KUMAR, S.; LI, H. Decentralized repositories for resilient open science infrastructure. arXiv preprint arXiv:2509.19206, 2025.
THAM, W. Y. Science, interrupted: Funding delays reduce research activity but having more grants helps. PLOS ONE, v. 18, n. 4, e0280576, 2023.
THAM, W. Y.; STAUDT, J.; PERLMAN, E. R.; CHENG, S. D. Scientific Talent Leaks Out of Funding Gaps. arXiv preprint arXiv:2402.07235, 2024.
WANG, Y. et al. Funding the Frontier: Visualizing the Broad Impact of Science and Science Funding. arXiv preprint arXiv:2509.16323, 2025.
Science.org. U.S. scientists gird for yet another government shutdown. 4 out. 2025. Disponível em: https://www.science.org/content/article/u-s-scientists-gird-yet-another-government-shutdown. Acesso em: 4 out. 2025.