Entre Hospitalidade e Humanização: Reflexões Éticas sobre os Desafios da Atualidade

René Schérer, em suas reflexões sobre hospitalidade, argumenta que esta constitui um elemento essencial no processo de humanização, transcendendo práticas sociais para se estabelecer como uma dimensão ontológica da condição humana. Conforme exposto em “L’Hospitalité”, Schérer concebe a hospitalidade como uma abertura radical ao outro, que não apenas enriquece a convivência, mas também molda os alicerces éticos das relações humanas (Schérer, 1993). Esse conceito oferece uma base poderosa para compreender a construção de uma sociedade mais inclusiva e justa.
No entanto, as complexidades contemporâneas desafiam as formas tradicionais de hospitalidade. A globalização intensificou o encontro entre culturas, mas também gerou tensões e desconfianças, enquanto a tecnologia transformou as interações humanas em experiências frequentemente mediadas e distantes. Um exemplo prático é a crise migratória global, em que o acolhimento de refugiados e migrantes é frequentemente marcado pela ambivalência. Essa situação exige uma ética da hospitalidade que vá além de respostas institucionais, como Schérer sugere: “a hospitalidade verdadeira começa na aceitação do outro como um fim em si mesmo, não como meio para interesses sociais ou econômicos” (Schérer, 1993, p. 45).
Na prática, movimentos locais e comunitários têm demonstrado resistência à crise de valores, criando espaços de acolhimento que relembram o poder transformador da hospitalidade. Por exemplo, iniciativas como o projeto “Cozinhas Solidárias”, que oferece refeições gratuitas a pessoas em situação de vulnerabilidade, refletem como o princípio ético da hospitalidade pode ser traduzido em ação concreta. Essa abordagem é consonante com a visão de Jacques Derrida, que em “De l’Hospitalité” argumenta que a hospitalidade exige um ato de generosidade incondicional, mesmo quando contradiz as normas da hospitalidade condicional (Derrida, 1997).
Ademais, a interseção entre tecnologia e hospitalidade oferece novas possibilidades e dilemas. Plataformas digitais, como redes de acolhimento de refugiados ou iniciativas de “couchsurfing”, revelam o potencial de ampliar o alcance da hospitalidade, mas também levantam questões éticas sobre privacidade e exploração comercial.
Para Schérer, a hospitalidade é um convite à transformação, uma prática que, ao ser exercida, redefine a humanidade em direção a uma convivência mais compassiva. Nesse sentido, ela se torna não apenas um dever ético, mas uma necessidade para a regeneração das relações humanas em um mundo marcado por rupturas. Como Schérer observa, “sem hospitalidade, somos condenados a viver em uma sociedade de muros, não de pontes” (Schérer, 1993, p. 12).

Referências
● Derrida, J. (1997). De l’Hospitalité. Paris: Calmann-Lévy.
● Schérer, R. (1993). L’Hospitalité. Paris: Seuil.
● Santos, B. S. (2002). Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics in the Paradigmatic Transition. New York: Routledge.

Dra. Zilda Maria A. Matheus
Doutora em Ciências da Comunicação (Turismo) pela ECA/USP, Pesquisadora no Naturo Academic Research Institute.
E-mail: contato@naturoinstitute.org